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The art of living

04
Out18

Je suis Charlie

Mafalda

Terrorismo. Por definição é o ato de provocar terror nas pessoas através do uso da violência física ou psicológica, com o intuito de intimidar uma sociedade e impingir ideologias .

Não me lembro ao certo quando ouvi o termo pela primeira vez mas lembro-me exatamente como me senti, como quando achamos que acidentalmente falhamos uma escada e a na nossa barriga cresce o friozinho que antecipa a queda. Com o tempo a palavra tornou-se tão usual mas continua a causar-me o mesmo sentimento, afinal não importa quantas vezes falhemos uma escada ficamos sempre assustados com a dor que pode vir a seguir.

Dia 15 de janeiro de 2015, estava doente, deitada no sofá quando nas notícias começaram a aparecer imagens chocantes. Charlie tinha sido assassinado simplesmente porque tinha usado o direito de expressão para fazer um cartoon da religião Islâmica. O mundo chocou-se e todos nós fomos Charlie, todos nós sentimos a dor de Charlie, todos nós sofremos uma espécie de luto não muito doloroso que durou uns dias. Com o tempo Charlie deixou de ser importante e nós por consequência deixamos de ser Charlie.

 

13 de novembro de 2015, estava a jantar com os meus pais quando um barulho alarmante veio da televisão da sala e todos fomos ver o que se passava. O terror espalhado nos olhos de quem contava as notícias. Outro atentado em França, desta vez no teatro do Bataclan. O mundo chorou com Paris e todos nós fomos Paris, porque as vítimas não mereciam morrer e a vida humana é demasiado preciosa. Milhares de flores espalharam-se pelo chão das ruas onde inocentes foram mortos, lágrimas derramadas, indignação. E depois, pouco a pouco, Paris deixou de ser o título da primeira página do jornal e todos nós a pouco e pouco deixamos também de ser Paris.

A seguir a estes atentados muitos outros se seguiram, alguns grandes outros mais pequenos mas todos imensamente chocantes e devastadores para a integridade humana.

No entanto maior parte de nós tem memória curta. Quando é que foi a última vez que algum de nós pensou sobre Paris? Sobre Bruxelas? Sobre Charlie? Sobre as Torres Gêmeas?

Porque é que só pensamos nas coisas no momento imediato em que nos afetam e não a seguir? Será que lembrar a vida humana tem data de validade?

A verdade é que não sei, mas, passe o tempo que passar uma parte de mim vai sempre ser Charlie. Uma parte de mim vai sempre ser Paris. Uma parte de mim vai sempre ser Bruxelas.

Na minha opinião nunca se está fora do prazo para se lembrar algo que nunca devia ter acontecido.

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02
Out18

A vida dos outros da minha varanda

Mafalda

Às vezes ponho-me à varanda, com o frio da noite a bater-me na cara ou os primeiros raios do sol a aquecer-me a alma, com a chávena de café e a manta no regaço e vejo as pessoas a passar.

Pessoas que passam de forma tão apressada e absorta na sua própria vida que não dão por mim, rapazes com as mochilas às costas e de auscultadores no ouvido. Pais, mães e avós atarefados com tudo e com nada e meninas com lacinhos no topo do cabelo que saltitam pela rua fora com a felicidade por uma mão e a mãe pela outra.

Pessoas cujas vidas davam um filme, que podiam ser as protagonistas de um livro se só por uma fração de segundo as olhassemos de perto. 

Às vezes ponho-me à varanda, com o meu caderninho vermelho equilibrado numa perna e a chávena de café na outra e imagino a vida de cada uma deles.

Dos meninos que passam tão normalmente com os auscultadores nos ouvidos e um ar despreocupado mas que passaram a noite na cama a chorar por causa de uma rapariga que lhes partiu o coração e o ego frágil e os transformou numa versão de rapaz pouco parecida com eles próprios.

Dos pais, das mães, dos avós que passam num carro vermelho desbotado, nos seus olhos a preocupação de quem dormiu pouco o dia anterior porque as contas estão para pagar na mesa da cozinha e os seus três trabalhos não chegam para sustentar a casa.

Das meninas com lacinhos no cabelo, que pensa que a vida é feita de alegria e felicidade e nunca viu dor na vida mas que um dia serão magoadas por rapazes como aquele que passam com os auscultadores porque inocentemente pensaram que a maneira de curar um coração partido é partir o delas. Das meninas que levam a mãe pela mão como se adivinhassem que um dia vão ter de lhe limpar as lágrimas que escorrem enquanto ela está sentada na mesa da cozinha, a olhar para as contas e a fazer contas à vida que por essa altura devia ser muito melhor.

Da minha varanda vejo as rachas na vida dos outros, vejo a dor, vejo a forma como todos são conectados por uma linha tão tenue que às vezes parece nem existir mas que está lá a cada momento.

Da minha varanda vejo todos os finais felizes que ficaram por acontecer. Mas também vejo os que acontecem todos os dias, a senhora que pega no telemóvel e chora de alegria ao saber que vai ser avó, o rapaz que sabe que conseguiu a bolsa para ir estudar para fora e a mulher que é pedida em casamento.

Às vezes ponho-me à varanda, com o meu caderninho vermelho equilibrado numa perna e a chávena de café na outra, e imagino a vida de cada um deles que passam demasiado apressadamente para reparar em mim.

Às vezes olho para a vida dos outros pela minha varanda e pergunto-me se nos momentos em que estou no meu mundo de sonhos alguém parou a olhar para mim e imaginou a minha. 

A verdade é que nunca saberei mas é por isso que a vida é para ser vivida e não imaginada, é quando saio da varanda e paro de imaginar a vida dos outros que percebo que é tempo de viver a minha e dar a mim mesma um final feliz.

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